terça-feira, 15 de abril de 2014

Um conto: A Mediadora - O Sonho de Toda Garota

Hey galera, 

Recentemente estava lendo a série "A Mediadora" da Meg Cabot, e de longe é a melhor série que a autora já escreveu, daí vagando pela internet achei um conto que acontece entre os livros "A Reunião" e "A Hora Mais Sombria", que foi escrito para uma revista adolescente americana. Confira abaixo o conto: (sei que ainda estou devendo a resenha de Divergente, mas está um pouco corrido e quero assistir ao filme primeiro para resenhar os dois).

O Sonho de Toda Garota
Um conto da série A Mediadora

Lá estava eu, em um longo vestido branco Jessica McClintock e uma orquídea no pulso, a luz da lua brincando no meu cabelo e um par de fortes braços ao redor da minha cintura, enquanto uma voz masculina gentilmente sussurrava meu nome:
— Suzannah — A respiração do meu parceiro de dança era suave contra a minha bochecha. — Suzannah...
É. Nos meus sonhos.
Na vida real, a voz chamando meu nome não era nem um pouco masculina. Isso porque pertencia a um garoto de doze anos de idade.
— Ãhn, Suze? É, tem algo seriamente errado com estes cannolis.
Desviei meu olhar dos casais rodopiando diante de mim e olhei para baixo. Em vez do cara totalmente gato em um smoking que eu estava imaginando, parado ao meu lado estava meu meio-irmão ruivo, segurando uma bandeja de massa italiana.
— Kelly está realmente brava — Mestre, conhecido como David por todo mundo, exceto eu, disse. — Ela diz que eles estão deformados ou algo assim.
Kelly estava certa. Os cannolis estavam deformados. Como vice-presidente da turma do segundo ano, e relutante presidente do comitê de baile de formatura do terceiro e quarto anos (fui indicada para a posição quando nenhum outro aluno do segundo ano se voluntariou), eu tinha tentado atravessar as esquinas, usando o dever-de-casa da sétima série do Mestre como bandeja. Foi isso que eu consegui por meus esforços: cannolis deformados.
Não que eu me importasse. Quer dizer, considerando o fato que eu sou a única garota segundanista da escola inteira, praticamente, que não foi convidada para esse baile em particular. Este baile em que eu era a presidente. O que me importavam esses estúpidos lanches?
Ah, tá bem. Eu me importava.
— Suze, você está louca? — Kelly Prescott veio andando altivamente, a saia de seu vestido de baile Nicole Miller reluzindo na luz da lua que banhava o jardim com chafariz da Missão. — Você realmente espera que as pessoas comam isso?
Eu olhei para a massa, que deveria ter o formato de conchas enroladas mas pareciam mais com pretzels.
— Há mais cannolis, ou esta é a última bandeja? — perguntei ao Mestre.
— Mmm — ele disse, olhando nervosamente para Kelly, que, sendo a garota mais bonita de Carmel, Califórnia, considerava a nós dois, meros mortais, aberrações totais. Ela estava certa a respeito de um de nós. E não era Mestre. — Deve haver mais.
— Ótimo — falei. Peguei a bandeja de cannolis dele. Para Kelly eu disse: — Não se preocupe com isso. Vou resolver. Volte para o seu par.
O par de Kelly, o presidente da turma do último ano Greg Sanderson, estava esperando debaixo de uma palmeira próxima, alto e super descolado em seu smoking. Ele era um dos caras mais bonitos na escola, então era simplesmente apropriado que ele convidasse Kelly, apesar de ela ser uma simples segundanista, para o baile de formatura dele...
Ainda assim, ele só fez isso porque seu par original, Cheryl McKenna, inesperadamente, bem...
Morreu.
Mas, olá, este era Greg. Que tipo de otária iria recusar um convite para ir ao baile de formatura com Greg?
Eu vou te dizer que tipo: eu. Não que ele tenha me pedido, é claro. Mas se ele tivesse, eu seria forçada a recusar. Porque meu coração pertence a outro. Mesmo que isso não faça diferença nenhuma.
Dando a Kelly um sorriso que ela não merecia, eu levei a massa ofensiva de volta para a cozinha da Academia da Missão. Construída uns quatrocentos anos atrás por monges franciscanos, na época em que paredes de um metro de espessura e gigantescas vigas de carvalho não eram consideradas negações na decoração, a Missão, agora uma escola, tinha atualizado seus equipamentos — e adicionado energia elétrica — então assim que entrei na cozinha eu podia ver meu reflexo no enorme refrigerador Sub-Zero no outro lado do aposento. E vamos apenas dizer que eu não estava animada com o que eu vi.
Ah, o longo vestido branco estava legal. Com meu cabelo escuro na altura dos ombros e a flor de punho — comprada para mim por meu padrasto — eu parecia com uma garota de outra época.
O problema era o reflexo que eu vi além do meu. E este era o reflexo de alguém que realmente era de outra época.
Eu me virei rápido para encará-lo.
— O que — eu exigi — você está fazendo aqui?
Eu quase derrubei os cannolis. Ele pegou a bandeja e a colocou gentilmente em um balcão próximo.
— Olá, hermosa — ele disse, com um sorriso. — Feliz em te ver, também.
Foi o sorriso. O sorriso que, toda e cada vez que eu via, fazia algo dentro de mim enfraquecer.
Porque mesmo estando morto há cento e cinquenta anos, Jesse ainda era o cara mais bonito que eu já vi.
E eu já vi vários deles. Caras, eu quero dizer. Porque, como o garotinho daquele filme, eu vejo gente morta.
Só que, diferentemente daquele garoto, os fantasmas não me assustam. Alguns deles eu às vezes penso que eu podia até mesmo amar.
Tá bom, eu tenho certeza absoluta que eu realmente amo.
Não que eu vá deixá-lo saber disso. Porque que tipo de cara — mesmo um morto — poderia algum dia amar uma aberração como eu?
Mas isso não significa que eu não possa sonhar.
— Acontece — eu disse, olhando para longe dos perspicazes olhos escuros como a noite de Jesse. Sem mencionar o lugar em que sua camisa fora de moda abria revelando um abdômen que Greg Sanderson teria invejado — que eu estou extremamente ocupada nesse momento.
— Ah, estou vendo, Suzannah — Jesse falou.
— Falo sério — eu disse. — Não tenho tempo para bater papo. Tenho o dever de fazer deste baile uma noite da qual estas pessoas jamais esquecerão.
Jesse estava encostado em um dos balcões, seus braços cruzados sobre o peito.
— Estas pessoas — ele repetiu, como outro de seus sorrisos. — Mas não você?
— Este não é o meu baile de formatura — falei, dando de ombros, tentando não notar como seus braços bronzeados se destacavam contra a brancura de sua camisa. Para um fantasma, Jesse era bastante moreno.
— Então isso significa que você não vai dançar? — ele perguntou.
Eu congelei com uma bandeja de cannolis — não-deformados — frescos que eu tinha acabado de tirar do refrigerador em minhas mãos.
— Dançar? — eu podia sentir o calor subir às minhas bochechas. Ele não está te convidando para dançar, eu disse a mim mesma severamente. Ele apenas está perguntando por perguntar. Não crie esperanças.
Tarde demais. Já, na minha imaginação, Jesse e eu tínhamos nos juntado aos outros casais lá fora no jardim banhado pelo luar, aqueles seus fortes braços ao redor da minha cintura, sua respiração suave na minha bochecha...
— Sim, dançar — Jesse disse. — Certamente até mesmo no século vinte e um as pessoas ainda dançam.
Respirei fundo, imaginando como eu iria responder.
Nunca tive a chance de descobrir. Porque antes que eu pudesse dizer uma palavra, eu a vi.
— Greg? — ela chamou. — Greg? Onde você está?
Meu queixo caiu. Eu a teria reconhecido pelo lustroso cabelo loiro em qualquer lugar, mas a camisola de hospital era uma dica óbvia.
— Ah, não — falei.
Cheryl, ouvindo a minha voz, veio parar hesitantemente na porta da cozinha. Seus adoráveis olhos azuis estavam esperançosos quando ela viu a Jesse e a mim.
— Olá — ela disse, em sua maneira atordoada mas educada tão comumente empregada pelos recentemente mortos. — Vocês viram meu namorado, Greg? Ele deveria me trazer aqui hoje à noite, só que ele não apareceu. Ele deve ter esquecido.
Jesse e eu trocamos olhares. O dele era ilegível. O meu, como eu podia ver muito bem pelo meu reflexo na geladeira, era infeliz.
Bem, e por que não? Ver Cheryl desse jeito era apenas mais uma prova da minha esquisitice.
— Cheryl — falei, colocando a bandeja de cannolis no balcão. — Escute. Greg não se esqueceu de te pegar.
Cheryl piscou como alguém acordando de um sonho. Talvez fosse isso que a morte era. Quem sabe? Bem, Jesse sabe, só que ele nunca me conta.
— Ele deve ter esquecido — Cheryl disse. — É a noite do baile.
— Eu sei, Cheryl — eu falei, gentilmente. — É a noite do baile. E Greg está aqui.
O lindo rosto de Cheryl se iluminou.
— Ele está aqui? Onde? Eu tenho que encontrá-lo.
Ela se virou para sair correndo da cozinha. Eu a parei. Os espíritos dos mortos não têm matéria — para todo mundo a não ser aberrações como eu, é claro. Para nós, eles são carne e osso, ou como no caso de Jesse, músculo e misteriosos sorrisos.
— Greg está aqui, Cheryl — falei. — Mas... ele está aqui com outra pessoa.
Os olhos de Cheryl se encheram instantaneamente de lágrimas.
— Mas não pode ser — ela falou, sua voz aumentando ligeiramente. — Ele me convidou. Meses atrás.
— Eu sei, Cheryl — eu falei. — Mas Greg teve que convidar outra pessoa porque você... bem, você morreu, Cheryl. 
Ela sacudiu sua cabeça.
— Não, eu não morri — ela disse. — Isso é ridículo. Eu não estou morta. Olhe para mim. Eu estou bem aqui. Eu não estou morta.
— Você está bem aqui em uma camisola de hospital — eu apontei. — Cheryl, sinto muito, mas você morreu de apendicite dois meses atrás. Se você for lá fora agora — se você tentar falar com Greg — ele não vai te ver. Ele não pode. Eu só posso te ver porque... bem, porque é isso que eu faço. Mas a verdade é, Cheryl, você está morta.
Eu vi isso — o horror enquanto as minhas palavras eram absorvidas — se espalhar por suas lindas feições.
E foi então que ela pirou.
Quem poderia culpá-la? Ela tinha dezoito anos, e estava apaixonada. Ela tinha tudo para viver... Faculdade, carreira, casamento, filhos... E agora...
Bem, agora tudo isso já era.
— NÃO! — ela gritou, seu lindo rosto se contorcendo em uma máscara de fúria e desespero. — NÃO! Eu não acredito em você! Você está mentindo!
Ela se soltou das minhas mãos.
— Você está é com inveja, isso sim! — ela gritou. — Inveja de mim!
E foi então que ela trouxe ambos os punhos sobre a bandeja de cannolis, mandando seu conteúdo para os ares.
E não os cannolis deformados, ainda por cima.
— Pare com isso! — eu gritei, dando um passo a frente e agarrando seus pulsos. Não importava o quanto ela contorcesse seu corpo ou esperneasse para se soltar, eu não iria deixá-la ir. Não desta vez.
— Você está morta, Cheryl — eu falei. — Você me escutou? Morta. Não é justo, mas é assim que as coisas são. Eu queria que você tivesse ido ao seu baile de formatura. Eu sei que é o sonho de toda garota ir ao baile com o cara que ela ama. Mas Cheryl, Greg seguiu em frente. Foi difícil para ele, mas ele conseguiu. E é hora de você fazer o mesmo.
Algo em minhas palavras — talvez a garantia de que Greg não teve facilidade em enfrentar a morte dela, por mais que Kelly Prescott deve ter desejado o contrário — tirou toda a luta dela. Ela se afundou contra mim.
Então, um segundo depois, eu a ouvi murmurar:
— Eu realmente estou morta, não estou?
E então ela se foi.
Bem assim.
Jesse, que não tinha se movido o tempo todo do lugar onde ele estava, confiante que eu podia lidar com Cheryl sozinha, estava sorrindo de orelha a orelha.
— É o sonho de toda garota ir ao baile com o cara que ela ama? — ele ecoou, com não apenas uma, mas ambas as sobrancelhas negras levantadas.
— Não comece — falei. Eu tentei esconder minhas bochechas subitamente em chamas jogando fora o que sobrou dos cannolis, e os substituindo com o conteúdo de um pacote não terminado de biscoitos com pedaços de chocolate. — Tenho coisas para fazer.
— Ah, sim — Jesse disse, saindo do meu caminho enquanto eu passava furiosamente por ele. — Estou vendo.
Se eu esperava que o ar da noite esfriasse o fogo no meu rosto, fiquei desapontada. Eu ainda estava me sentindo estranhamente corada quando encontrei Mestre no jardim, e empurrei a bandeja de biscoitos para ele.
— Suze, estes não são cannolis — ele disse.
— Eu sei. Não tem mais cannolis.
— Pensei que tivesse vários...
— Não mais — falei, curtamente, e me virei porque vi Kelly olhando ferozmente para nós por cima do ombro de Greg. O que quer que tenha acontecido agora, eu não queria saber. Porque não podia ser tão ruim quanto o que aconteceu à pobre Cheryl McKenna, morta aos dezoito.
Ou a mim, que nasci uma aberração que pode ver fantasmas.
Mas quando eu mergulhei nas sombras do corredor a céu aberto da Missão, esperando escapar, por um momento, da música e das risadas, descobri que eu não estava totalmente sozinha, de jeito nenhum. Jesse tinha me seguido.
— Você não respondeu à minha pergunta — ele falou, em uma voz suave como o luar. — As pessoas no século vinte e um ainda dançam?
Meu coração retumbava nos meus ouvidos, muito mais alto que a música lenta.
— Mmm — falei, mal capaz de engolir em seco porque minha garganta estava muito seca. — Às vezes.
— Que tal agora? — ele perguntou.
E então seus fortes braços estavam em volta de minha cintura, sua respiração suave contra minha bochecha enquanto ele gentilmente sussurrava meu nome:
— Suzannah. Suzannah... 


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